quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Pachá domina 5 idiomas, inclusive o latim




BRASIL
Alô, é da Academia?

08/02/2007
JOSIE JERONIMO
Sérgio. Mas sem acento. Afinal, nasceu antes de agosto de 1943, quando a gramática mudou mais uma vez e os ditongos crescentes passaram a carregar o sinal gráfico.


Não há explicação que escape de Sergio Pachá, guardião das regras de português da Academia Brasileira de Letras - ou lexicógrafo-chefe, como manda o padrão culto.

O estudioso é uma espécie de oráculo da língua portuguesa. Durante o plantão no templo moderno, o quinto andar do edifício anexo ao Petit Trianon, responde consultas por telefone e email. Nos intervalos, dedica-se à leitura da edição eletrônica do jornal New York Times.Triiiiiiiiiiiiiim! O lexicógrafo pega o telefone: "Academia Brasileira de Letras, boa tarde". Do outro lado da linha, o grave/agudo de uma voz adolescente pergunta, com sotaque gaúcho: "Oi, gostaria de saber por que o i tem pingo. Meu professor prometeu um dez para quem trouxer a resposta". Pachá, que sempre teve resposta para tudo, fica surpreso. Vasculha dezenas de enciclopédias brasileiras para encontrar a justificativa, e nada. Um dia depois, estante devidamente revirada, descobre a resposta num dicionário de língua inglesa. E se alivia ao explicar, por email: antes das técnicas modernas de impressão, o i recebia um traço para diferenciar o entalhe da letra. Com o tempo, o sinal evoluiu para o pingo.Atrás da mesa de trabalho, o desconhecido intelectual de cabeleira branca e revolta tira dúvidas de brasileiros de todos os estados. Com espírito manso e voz calma e pausada, fala em nome dos imortais, mas avisa que a ABL não é dona do idioma:- A Academia é vista como o árbitro da correção da linguagem. Mas isso não quer dizer que tenha força legal para fazer qualquer imposição.Um democrata da língua
Os consulentes não pensam assim. Telefonam e escrevem com a força dos inquisidores: "Solicito à ABL que tome uma posição sobre o uso da palavra técnico, muito comum no ambiente em que trabalho", escreveu uma moça que não gostava de ser chamada pela referência masculina. Quem liga costuma exigir regras duras e mudanças para o que considera inadequado.


Pachá conta que os advogados são assíduos. Leais ao juridiquês, ligam para tentar incorporar ao idioma expressões nascidas dos autos de algum processo. Não critica a classe. É um democrata da língua. Rejeita purismos e conta que até mesmo os gregos, povo tradicionalmente marítimo, recorreram ao empréstimo lingüístico para denominar o mar.
A palavra talassa não existia no idioma. Por isso, o lexicógrafo-chefe trata os dicionários como um guia limitado da riqueza idiomática.- A palavra não passa a existir a partir do momento que é registrada no dicionário. Vai para lá depois de existir - explica.Assim como não condena a comunicação truncada dos advogados, assume o papel de defensor do português horizontalizado dos jornalistas. Certa vez, recebeu um email revoltado de um consulente que despejava toda a fúria gramatical contra os profissionais de imprensa. Na mensagem, indagava o surrupio do pretérito perfeito das manchetes jornalísticas. Achava um afronte a arrogância dos comunicadores em sincronizar o tempo do mundo com o das rotativas. "Morre no Rio de Janeiro o Grande João da Silva. Morre? Ele já morreu, então já aconteceu. Pretérito perfeito", bradou o anônimo fiscal da língua.O crítico mereceu três páginas de resposta.

Além da explicação teórica e dezenas de referências bibliográficas, ganhou de presente versos de três poetas. Todos citados de cabeça, como o trecho de Os Lusíadas em que Luís de Camões deixa o passado de lado.Cabeças pelo campo vão saltandoBraços, pernas, sem dono e sem sentido,E de outros as entranhas palpitando,Pálida a cor, o gesto amortecido.Já perde o campo o exército nefando,Correm rios de sangue desparzido,Com que também do campo a cor se perde,Tornado carmesi de branco e verde (Lus.,III, 52)- Eu conheço bem Camões - diz Pachá, esfregando os olhos para disfarçar a timidez pelo flagrante abuso da erudição. - A próxima vez em que ele criticar jornalista, vai pensar duas vezes. Pode até criticar, mas não por essa razão.Imortais com prazo de validade

Pachá domina 5 idiomas, inclusive o latim
Mas há também, entre os consulentes, quem se desespere com a limitação do português e sugira novas palavras. A esses, o filólogo simula, com brejeirice, o que aconteceria se todas as mudanças fossem acatadas:- Emengarda da Silva é uma brilhante quimieira industrial que estudou engenharia quimiária no Japão e também leciona química em uma escola profissionalizante.

Doutor pela Universidade da Califórnia e dono de uma erudição incomum, Pachá domina cinco idiomas. Traduziu os Manifestos do Surrealismo, de André Breton, e agora trabalha nas intervenções de Ruy Barbosa na Segunda Conferência da Paz, de 1907, em Haia, que serão publicadas este ano.
Lê e escreve em latim, conhece por dentro a língua e o contexto dos textos clássicos, mas reverencia todos os imortais da Academia da pequena sala que divide com outros três funcionários. Em sua mesa, mantém a foto da gata Isolda - que morreu há poucos meses, depois de viver 19 anos com o filólogo - e pequenos vasos de cerâmica marajoara. Trabalha na ABL há cinco anos, desde que foi convidado pelo imortal Evanildo Bechara.Suas respostas são verdadeiros tratados de gramática.

Mesmo assim, com a paz dos simples, diz que dar a resposta mais completa é seu trabalho. Preserva-se de criticar a influência da indústria literária na indicação dos que vestirão os fardões, mas traça a diferença entre acadêmico e imortal.- Não sei se todos os acadêmicos serão imortais daqui a 20 ou 30 anos. Mas tenho certeza que todos os imortais atuais são acadêmicos - sentencia.
+ Pergunte ao Pachá:
scpacha@academia.org.br

Fonte: http://www.palmalouca.com/reportagem/reportagem.jsp?id_reportagem=167

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